segunda-feira, 27 de junho de 2011

Anistia é para os perseguidos e não para os perseguidores!

A anistia é uma forma jurídica, legal, concedida geralmente aos cidadãos que por motivações políticas praticaram determinadas infrações penais, comum no marco de períodos de crises políticas e sociais agudas, tornando extinta sua punibilidade ou fazendo cessar qualquer efeito das condenações sobre os acusados.
Trata-se de uma norma ou instituto jurídico bastante antigo na História da humanidade, tendo aparecido principalmente na Grécia antiga durante as reformas de Sólon em 594 a.C.
No Império Romano também existia uma figura semelhante, o generalis abolitio, com o mesmo objetivo de conceder o “perdão” ou remissão ao criminoso. Na Idade Média, houve um certo recrudescimento desse instituto, mas com a Revolução Francesa de 1789 voltou a se desenvolver como princípio político na maioria das constituições burguesas. 
Durante a história política brasileira, marcada por centenas de revoltas, insurreições e movimentos populares de luta desde a época colonial, embora tenha sido muito pouco respeitada pelos governos, também sempre esteve colocada a possibilidade de concessão de anistia como ocorreu, por exemplo, nas revoltas da Cabanagem, da Revolução Farroupilha, a Sabinada, a Revolução Praieira, na Revolta Popular da Vacina, na Revolta da Chibata, nas greves operárias de 1917 em São Pauloetc. A reivindicação de anistia geral a esses movimentos esteve presente como garantia fundamental em todas as negociações.  
A lei de anistia e a greve dos bombeiros
Em um caso recente, a greve dos bombeiros do Rio de Janeiro, a reivindicação de anistia foi novamente levantada pelo movimento, que reivindica anistia total para os grevistas que foram presos e estão sofrendo agora processo disciplinar interno, além de uma ação penal militar pelos crimes de motim, dano em material ou aparelhamento de guerra e quebra de hierarquia. 
A idéia da anistia, portanto, tem um significado eminentemente político, é um recurso de defesa dos oprimidos com o objetivo de absolver os crimes e processos decorrentes das lutas que as massas e os movimentos populares empenharam contra os regimes de exploração e repressão das classes dominantes. É uma forma de reintegrar as garantias e direitos políticos aos cidadãos perseguidos por esses regimes.
A manobra para deixar impune os opressores foi criada na Ditadura Militar
A Lei de Anistia 6.683 promulgada no governo militar de Figueiredo, em agosto de 1979, é, nesse sentido, uma aberração jurídica total, pois é uma caricatura do que seria uma verdadeira anistia.
Segundo o texto de Lei n° 6.683/79, promulgado ainda em plena vigência do regime militar:
“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. [...]”
A lei não representou a anistia ampla e geral que se reivindicava, pois muitos presos políticos, inclusive condenados a prisão perpétua, não foram libertados, acusados por crimes de “terrorismo”, “subversão” etc., isto é, crimes claramente de natureza política, sendo libertados apenas posteriormente, depois de uma enorme pressão.  
A idéia de crime “conexo” foi o que deu ensejo a uma interpretação maliciosa dos juízes, porém completamente estúpida do ponto de vista jurídico, para ampliar a anistia aos agentes do governo. 
Na doutrina penalista, resumidamente, crime conexo é a ligação que há entre a mesma finalidade de um ato em relação ao principal, guardando uma relação de causa e efeito ou uma identidade de fins entre as duas condutas delituosas, como é o caso dos crimes políticos contra um regime de exceção. No caso da ditadura, não há nenhuma interpretação séria que possa dar um caráter bilateral a anistia.
Simplesmente não existe crime conexo aplicado a tortura, assassinatos, desaparecimentos etc., cometidos pelos agentes governamentais da ditadura militar brasileira contra seu próprio povo, para suprimir qualquer oposição. Pelo contrário, a tortura, por exemplo, é crime comum, imprescritível, constitui prática repugnante, abominável, covarde, um crime contra a humanidade, segundo as Convenções e Tratados Internacionais dos quais o governo do Brasil é signatário.
A própria Constituição Brasileira de 1988, mesmo com todas as suas limitações, considera crime inafiançável, imprescritível e “insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura”.
O parecer do STF, do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams e a capitulação da presidente Dilma Rousseff e do Partido dos Trabalhadores diante da pressão da direita e dos militares, garantiu o sigilo eterno dos documentos da ditadura e permitiu que os ditadores anistiassem a si próprios, ou seja, abriu-se aqui o precedente que garante a impunidade completa de todos os regimes de exceção no mundo inteiro, pois se a lei de anistia da maneira como foi formulada é a última palavra sobre o assunto, tendo mais legitimidade para julgar os crimes cometidos pela ditadura que o suposto regime democrático posterior, então bastaria que Alemanha nazista sob o comando de Hitler promulgase uma lei anistiando o III Reich e a Gestapo, ou a Itália fascista de Mussolini, ou o Franquismo na Espanha e assim por diante, para que ninguém sofresse nenhum processo ou julgamento pelas atrocidades que cometeram.         
É direito de todo cidadão se levantar contra as arbitrariedades de um governo tirânico que não representa os interesses de seu povo, que impõem um regime de exploração e opressão e persegue duramente seus opositores, todas as ações praticadas pelas organizações, grupos, partidos ou indivíduos são legítimas como forma de combater a arbitrariedade das classes dominantes, o contrário é absurdo.
O desfecho do caso é um fiasco completo para um Estado que se pretende democrático e de Direito: permitir que seja garantida a impunidade aos agentes do governo de um regime que cometeu graves violações aos “direitos humanos” revela a farsa que é o democracia brasileira.
A lei da anistia no Brasil, graças a uma manobra da burguesia, junto com a Igreja Católica e outros setores reacionários da pequena-burguesia, serviu na realidade para estabelecer uma transição de uma ditadura militar franca, aberta, que naquele momento estava numa crise terminal colocada em xeque pelas mobilizações operárias e estudantis, para um regime pseudo-democrático, preservando o poder de uma determinada camada da burocracia militar em pontos-chave do Estado e inocentando os torturadores e assassinos. 
Os trabalhadores, as organizacões operárias, estudantis, camponesas e democráticas devem ter claro que a única forma de se opor ao acordo que foi feito entre a direita, a “esquerda” e os militares que ainda governam o País, e de fato punir os assassinos e torturadores da ditadura é por meio da luta dos oprimidos e dos setores que se colocam contra esse regime, a luta por um governo próprio dos oprimidos, um governo baseado nas organizações operárias e populares, da cidade e do campo, a serviço dos interesses da maioria da população contra a minoria parasitária e opressora que domina o País.

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