Por José Eli da Veiga
Professor da pós-graduação do Instituto
de Relações Internacionais da USP (IRI/USP)
Do Valor
A maioria dos 410 deputados que aprovaram o projeto de lei
sobre a proteção da vegetação nativa (PLC-30) nem teve chance de perceber o
tamanho dos disparates nele introduzidos. Certamente devido à balbúrdia em que
transcorreu o processo de votação, favorecendo os míopes interesses de um
subsetor econômico muito específico: o da pecuária de corte de expansão
horizontal, concentrada na franja impropriamente chamada de "fronteira
agrícola".
Com certeza o Senado honrará sua missão revisora, colocando
em primeiro lugar os interesses estratégicos da nação, ao contrário do que
ocorreu com a Câmara na lastimável noite de 24 de maio. Muitas das distorções
do PLC-30 foram bem enfatizadas em recentes audiências públicas de juristas e
pesquisadores científicos, inspirando as 174 emendas apresentadas à CCJ e à CCT
por 16 senadores, quase todas com o intuito de evitar inúmeros perigos de tão
insensata marcha reversa. Provavelmente outras ainda serão propostas em mais
duas comissões que vão anteceder o plenário: a de agricultura e a de meio
ambiente.
Lista circunstanciada dos absurdos do PLC-30 está nas 28
páginas de "Propostas e considerações" das duas maiores sociedades
científicas brasileiras (SBPC e ABC), divulgadas há uma semana. Confirma que
são quatro as principais aberrações que demandam minucioso exame do Senado:
a) drástica redução das áreas de preservação permanente
(APP);
b) inviabilização da imprescindível flexibilidade das
reservas legais (RL);
c) contrabando de milhões de imóveis rurais sob o manto de
pretensa solidariedade aos "pequenos produtores";
d) inepta escolha de julho de 2008 como data para o perdão
de infrações.
A balbúrdia da votação não permitiu que a maioria dos
deputados se desse conta dos disparates da PLC-30
Pela legislação em vigor, o conjunto das áreas de
preservação permanente (APP) deveria corresponder a 15% do território nacional,
totalizando 135 milhões de hectares (Mha). Todavia, existe um déficit de 55 Mha
- quase todo invadido por indecentes pastagens - que será mais do que "consolidado"
pelas brutais reduções das exigências de conservação de matas ciliares,
ripárias, de encostas, de topos de morro e de nascentes. Algo inteiramente
desnecessário, pois a bovinocultura poderá ser incomparavelmente mais eficiente
e produtiva com muito menos do que os exageradíssimos 211 Mha que atualmente
ocupa (78% da área da agropecuária). Bastará um pouco de profissionalismo e bem
menos especulação fundiária.
O surgimento de mercados estaduais de compensações de
reservas legais (RL) seria um grande passo à frente, principalmente para os
produtores cujas fazendas não dispõem de terras de baixa aptidão. É
completamente irracional destinar solos de boa qualidade à recuperação de
vegetação nativa, ou mesmo reflorestamento com exóticas. Nada melhor, portanto,
do que remunerar detentores de terras marginais para que eles constituam
condomínios de reservas. Com a imensa vantagem de que elas não estariam
dispersas em pequenos fragmentos isolados, alternativa infinitamente superior
para a conservação da biodiversidade. É trágico, portanto, que o PLC-30 tenha
feito uma opção preferencial por forte redução dessas áreas, em vez de
viabilizar o surgimento desses mercados estaduais de compensações.
Tão ou mais escandalosa é a tentativa de desobrigar todos os
imóveis rurais com áreas inferiores a quatro módulos fiscais sob o pretexto de
ajudar "pequenos produtores". A maior parte dos imóveis desse tamanho
são chácaras e sítios de recreio de famílias urbanas de camadas sociais
privilegiadas. Nesse ponto, os deputados inadvertidamente legislaram em
benefício próprio, já que muitos deles, assim como seus parentes e amigos, têm
propriedades desse tipo.
Se o objetivo fosse realmente favorecer produtores rurais de
pequeno porte, bastaria que o PLC-30 não fizesse letra morta da lei 11.326,
promulgada pelo presidente Lula em julho de 2006, após um decênio de
experiência acumulada pelo tardio Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), criado em julho de 1996 por decreto do presidente FHC.
Para delimitar essa categoria sem contrabandear casas de
campo de urbanos do andar de cima, ou de quaisquer proprietários com vários
imóveis, a lei considera agricultores e empreendedores familiares apenas os que
praticam atividades no meio rural atendendo simultaneamente a quatro
requisitos:
a) não detenham a qualquer título área maior do que quatro
módulos fiscais;
b) utilizem predominantemente mão de obra da própria família
nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
c) tenham renda familiar predominantemente originada de
atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
d) dirijam seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Finalmente, mas não menos relevante, é lembrar que a Constituição
não reconhece direito adquirido em matéria ambiental, desautorizando qualquer
data para perdões por desmatamentos ilegais que seja posterior ao primeiro ato
regulamentador da Lei de Crimes Ambientais: 21 de setembro de 1999.
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